A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL


A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL
Célio Pinheiro/Odette Costa

Fica claro que não se pode falar sobre os primeiros tempos da formação de Araçatuba, sem citar a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil - NOB.
Ela foi parte de toda uma política que visava a interiorização do país, e mais que isso, a ligação com outros países da América do Sul.
Se, no lado oposto do continente, já havia repúblicas incipientes, mas até com desenvolvida cultura remanescente dos incas, nada mais natural que se adentrasse o mais possível ao encontro de novas nações consolidantes.
Esse processo de aumento de regiões colonizadas tinha em vista o desenvolvimento, as conquistas de novas riquezas, a captura de braço escravo para ajudar na agricultura, a busca de pedras preciosas, o ouro; enfim, tudo aquilo que viesse adiantar mais o aculturamento do Brasil, não só em termos políticos, como econômicos.
Já passamos pelos séculos 16, 17 e 18, com todas as tentativas de penetração do sertão. No profundo sertão paulista do Oeste era bem difícil entrar ate meados do século 19.
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 (AZEVEDO, s/data: 521. citando (CUNHA, 1.922:262) O raio civilizador refrangia na costa Deixava na penumbra os planaltos. 0 maciço de um continente compacto e vasto talhava uma fisionomia dupla à nacionalidade nascente Ainda quando se fundissem os grupos abeirados ao mar, restariam ameaçadores, afeitos às mais diversas tradições, distanciando-se do nosso meio e do nosso tempo, aqueles rudes patrícios, perdidos no isolamento da chapadas (...).
Não escapou ao descortino excepcional de Diogo Feijó o meio precedente para quase remover-se essa fatalidade em grande parte resultante de nossa amplitude e impenetrabilidade.
A construção das estradas de ferro na Europa foi motivada pela invenção das máquinas a vapor como fonte de energia para movimentar um carro sobre trilhos e, com ele, puxar outros carros com mercadorias e pessoas. Em 1.827, estava criado o trem de ferro, após cansativos trabalhos em pesquisas e experimentos, no século 17, Salomão Caus (1.576/1.626) e Diniz Papin (1.647/ 1.714); no século 18, James Watt (I 736/1.819); e George Stephcnson (1.781/1.848), mecânico inglese inventor de locomotivas, já no século 19, Nessa época, em 1.854, o Brasil punha em prática o desbravamento de seu sertão pela ferrovia. A unidade nacional estava comprometida pelos entraves naturais da vasta extensão de terras e da auto defesa do silvícola, o natural dono das terras; a solução seria, portanto, utilizar caminhos de ferro.
Qualquer tentativa nesse sentido demandaria arrojo, capital e, naturalmente, muito apoio do governo. Era uma necessidade, mas de solução quase inviável Não fora a cobiça, a sede de conquista, a necessidade de uma urgente penetração no interior e a iniciativa teria se delongado mais Mas havia também a necessidade do escoamento do que já se produzia na agricultura interiorana a esse tempo e sempre puxado por tração animal, lenta, precária e diminuta.
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Se os rios foram as artérias por onde tudo começou, as ferrovias viriam a ser as veias por onde deveria correr o sangue do progresso.
Na segunda metade do século passado, o Brasil ensaiou os primeiros passos para as estradas que realmente ligariam o litoral já parcialmente progressista ao Centro. Oeste e Norte do pais. Começamos pelo Estado de São Paulo, que despontava como o de maior tendência para a riqueza.
Em 1.872, foí criada a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ligando Santos a São Paulo, depois Jundiai e Campinas. Em 1.875 surge a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, partindo de Campinas. Essas estradas foram ramificando para Barretos, Casa Branca, junto com a Companhia Sorocabana de Estradas de Ferro. A Paulista atingiu Bauru, era o começo do século 20; em 1.905 Bauru tinha 600 habitantes.
Nesse ponto do desbravamento econômico do Brasil, os técnicos tinham (e discutiam muito) várias possibilidades de fazer o avanço : por rodovia, como se lê num artigo de Euclides da Cunha inserido no livro Contrastes O confrontos; o título do artigo é "Ao longo de urna estrada" (CUNHA, 1.966:196a201);ou por hidrovia, como defendiam os engenheiros mato-grossenses; ou por ferrovia, que foi a opinião vencedora. As grandes rodovias viriam bem depois.
Foi criada a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, partindo de Bauru. (CUNHA, 1.966 196 a 201), informa que a via já estava em Jabuticabal (o artigo foi escrito na margem do rio Turvo em novembro de 1.901 e publicado no jornal "0 Estado de São Paulo" em 18 de janeiro de 1.902); e preconizava uma estrada de Jabuticabal até Cuiabá - o centro da América do Sul; o autor de Os sertões previa uma ponte de 800 metros de comprimento sobre o rio Paraná, bem próxima a Aparecida do Tabuado.
A história, porém, conta que a idéia da rodovia, da hidrovia e menos ainda o caminho por Aparecida do Tabuado vin- (Pág.09) garam:  foram preteridos pela linha ferroviária de Bauru a Itapura. Passando por Araçatuba, e de Mato Grosso infletia para ítapura, ligando Andradina a Três Lagoas, rompendo para Campo Grande e Corumbá no extremo matogrossense e no limite brasileiro com a Bolívia, através de Porto Soares, Roboré etc , na direção do Oceano Pacifico.
No citad o artigo de Euclides da Cunha, há uma nota de pé-de-página com as seguintes palavras: Este artigo é hoje, felizmente, falso (Esse "hoje" deve ser o ano de 1.907, em que foi publicado o livro Contrastes e confrontos) Em cinco anos mudamos. A Estrada de Ferro Noroeste, lançada vigorosamente para Mato Grosso, revolucionará muito breve toda a situação econômica e política da América do Sul Extinguira o Bósforo platino... Além disto outras linhas de penetração delatam o rumo firme do nosso progresso.”(CUNHA, 1.966: 199)”.
O governo brasileiro só se julgou em condições de atentar para o inexplorado Oeste no final do século 19 Então, com a República consolidada (apesar de aspectos econômicos conflitantes, como a queda do café, na passagem do século 19 para este século), criou-se um clima de preocupação pelas enormes terras que constituem a região Centro-Oeste do Brasil de hoje. Era importante consolidar a transgressão da Linha de Tordesilhas que ainda faltava. O litoral, desde o Pará até o Rio Grande do Sul, já era brasileiro; algo já se fizera em relação à região amazonense (Território do Acre): urgia, pois, a posse e atentativa de desenvolvimento do Oeste do país: a partir do centro constituído pelas terras mato-grossenses, centradas em Cuiabá.
Além do arrojo das investidas humanas nas selvas habitadas por indígenas, feitas através de matas fechadas e, principalmente, pelas vias fluviais, oferecia-se à engenharia daquele tempo a abertura do Oeste pelas ferrovias. A investidura do Marechal Cândido Rondon, desbravando, pacificando silvicolas, inaugurando pequenos núcleos urbanos mais ou menos fixos, (Pág.10) contrapondo ao índio o modo de viver do branco, precedeu a instalação das vias férreas.
Era pela hidrovia que os engenheiros queriam a ligação econômica e social do oeste com o litoral E de esperar sem dúvida, que nessa zona se estabeleça um dos centros mais comerciais, mais industriais e agrícolas do interior de todo o Brasil. É para aí que Mato Grasso fará convergir uma boa parte do seu comércio por intermédio da Estrada de Ferro de Itapura e Corumbá . da navegação dos rios Iguatemi em cerca de 150 quilômetros, Samambaia em cerca de 100, Invinhema, Brilhante, Dourados e Vacaria em cerca de 500 Rio Pardo em cerca de 300 rios Verde, Sucunú e numerosos pequenos afluentes. (...) São Paulo. Paraná e Santa Catarina exercerão sua influência comercial nessa zona por intermédio das vias férreas acima indicadas e pela navegação dos rios Aguapeí, do Peixe, Santo Anastácio, Paranapanema. Ivaí e Pequiri, para só falar nos mais notáveis. (AYALA, 1915 - 127 e 128)
Contudo, o futuro reservaria para a ferrovia todo o sonho de uma intensa linha de hidrovias preconizadas pelos engenheiros mato-grossenses. A Ferrovia Madeira-Mamoré, pequena mas profundamente desgastante, ficou no Oeste selvagem, cumprindo seu papel de desbravar e socializar uma parte da nossa Amazônia. E mais para o centro, próximo ao Oeste paulista, onde fica Araçatuba, foi a Ferrovia Noroeste do Brasil, de Bauru ao Mato Grosso e Bolívia que fez o desbravamento.
A Noroeste do Brasil começou por duas frentes, uma saindo de Bauru, outra de Porto Esperança, no Mato Grosso. E mal sequer estavam os ditos estudos concluídos que imediatamente foi atacada a construção da estrada de Porto Esperança ao encontro da seção que tinha avançado de Bauru. Não se pode negar que o mesmo trecho. atacado pelos dois extremos devia ser concluído razoa- (Pág.11) velmente mais rapidamente; infelizmente, porém, este alvitre pouco adiantou para o resultado geral (devido a muitos motivos que não vêm ao caso enumerar), conseguindo, ao contrário, elevar enormemente o custo da construção, devido à falta absoluta de materiais de construção nesta zona, dificuldades de pessoal, doenças ele, além do grande inconveniente da dualidade de administração que, bem dependentes ambas de um só chefe, devido à grande distância e deficiência de meios da comunicação, deixava a segunda quase completamente isolada. (AYALA, 1.915: 151 e 152).
Diogo Feijó, paulista, com sua lei de 31 de outubro de 1.835, como profeta anunciador dessa mesma geração de bandeirantes; e o Barão de Mauá, o primeiro realizador que, por sua própria iniciativa, deu o impulso à obra de penetração, lançando em 1.854, rumo à Serra do Mar os primeiros trilhos de estrada de ferro (AZEVEDO, s/data: 54). Como se sabe, Irineu Evangelista de Sousa (Barão de Mauá) foi um homem de muita audácia, espírito de iniciativa e capacidade de organização. Fez-se industrial e conseguiu impor-se como um administrador capaz, à altura de competir com o próprio Governo em termos de realizações. Jamais se poderia falar em estradas de ferro r.o Brasil sem citar seu nome.
Foi ele quem fez assentar os primeiros trilhos e fez correr, em 1.854, primeira locomotiva no Brasil levando a Estrada de Ferro Grãnpará do Rio de Janeiro à Serra da Estrela. E foi ele quem financiou com seus próprios recursos a estrada de ferro de Santos a Jundiaí (a São Paulo Railway). empresa que perdeu depois para os ingleses, pois, apesar de toda sua capacidade, mas de origem humilde, sofreu vários percalços, dos quais se safou com dignidade.
Maugrado, porém, todas as adversidades pelas quais passaram aqueles que se empenham em abrir caminhos, as estradas de ferro foram se alastrando, formando uma malha incipiente (Pág.12) mas de grandes resultados. Até hoje, em pleno final do século 20, quando rodovias cortam o pais de Norte a Sul e quando linhas aéreas encurtam distâncias, os Governos ainda insistem na abertura de novas ferrovias, considerando sempre que o transporte ferroviário ainda é dos mais baratos. Pena que ainda sejam poucas para a extensão continental do Brasil.
Pode-se sentir que a grande finalidade de uma ferrovia que avançasse pela Província de São Paulo seria a de alcançar a Província de Mato Grosso, porta aberta para os países vizinhos. Assim sendo, vejamos esta afirmação Acontece ainda que para o porto de Santos, que é o que se oferece mais próxima a Mato Grosso, notável é a diferença do percurso entre a linha que vier pela Sorocabana e a que servir-se da Mogiana como tronco e mais que aquela, deverá em futuro próximo ficar ligada com a mesma bitola (distância entre os trilhos) toda a viação do extremo sul e fronteiras do Paraguai, Argentina Uruguai pela Companhia São Paulo - Rio Grande e linhas do Rio Grande do Sul. Estas considerações indicam Bauru ou suas proximidades como um ponto inicial mais conveniente para o novo traçado da primitiva concessão que tinha por objetivo o Sul de Mato Grosso. O caminho que ele deve seguir está naturalmente imposto: é o fértil vale do Tietê, com o notável salto do Avanhandava, que provavelmente virá a ser aproveitado como força e o saito de Urubupungá , como local para encontrar o rio Paraná. (NEVES, 1.958: 34 e 35)
Ainda na p.35 da citada obra, encontramos: "A fim de explorar a concessão obtida pelo Banco União da São Paulo, pelo Decreto n°. 862, de 16 de outubro de 1.890, foi organizada uma companhia em 21 de junho de 1.904, tendo como presidente o Engenheiro João Teixeira Soares, com o nome de Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, cujo novo traçado foi reconhecido como vantajoso" Dentro do prazo de seis meses a companhia era obrigada a apresentar ao Governo estudos de reconhecimento da linha, compreendida entre Bauru e ltapura.
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Bauru era o ponto terminal da Cia. Paulista de Estrada de Ferro e da Sorocabana; por isto foi escolhido como lugar de partida da Noroeste do Brasil. E com isso passou a ser o centro do entroncamento das três ferrovias, o que provocou o seu grande desenvolvimento, cognominada Capital da Terra Branca (pelo seu tipo de solo), uma das mais importantes cidades do interior de São Paulo
O reconhecimento do primeiro trecho de Bauru a ltapura foi contratado pela Cia. de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil com o engenheiro Luis Felipe Gonzaga de Campos; era o trecho de Bauru à margem do Rio Paraná. O dia 15 de novembro de 1.904 marca o início dos trabalhos.
A Empresa Machado de Melo era a empreiteira dos primeiros 100 quilômetros. Segundo o engenheiro Sílvio Saint Martin, a primeira comissão de engenheiros chegou a Bauru e fez os estudos do traçado dali até o Rio Tietê (canal do Inferno, segundo NEVES, 1.958: 38).
Os primeiros 100 quilômetros tiveram a orientação do engenheiro Joaquim Machado de Melo, cujo nome foi dado a uma estação na Alta Noroeste e que há quase cinqüenta anos foi mudado para Amandaba.
Fundada a Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, de capitais mistos, brasileiro e franco-belga, com concessão de garantia de juros pelo governo federal, em 1.904, e incorporada por Teixeira Soares e Pereira da Cunha, iniciou-se em 1.905 a construção da estrada, cujo trecho de Bauru a ltapura essa empresa inaugurou em 1.910 ligando-a com a de "ltapura a Corumbá" que. no mesmo ano, fazia correr o primeiro trem até Jundiaí sobre o Paraná e divisas de São Paulo com Mato Grosso Com a articulação que se estabeleceu em ligação (Quilômetro 842) com o trecho vindo de Porto Esperança sobre o Rio Paraguai, ficou concluída e em tráfego como nos informa Airosa Galvão, a ligação férrea (Pág.014) com Mato Grosso, de Bauru a Porto Esperança, com 1.273 Km, incorporados, em 1.917 ao patrimônio da União que encampou a Companhia Noroeste, Bauru a Itapura, formando, com a de "Itapura-Corumbá" uma só estrada federal, com a denominação de EF. Noroeste do Brasil, com sede administrativa em Bauru onde se encontra na Sorocabana e na Paulista, a que se tornou a confluência de três estradas de ferro, pórtico magnífico para as zonas pioneiras (AZEVEDO, s/data: 108).
Considerados os resultados da expedição chefiada por Luiz Felipe Gonzaga de Campos, como nos diz Correia das Neves. Os estudos definitivos dos primeiros 100 quilômetros foram aprovados pelo decreto n °. 5.719, de 10 de outubro de 1.905. A construção e o aparelhamento das linhas foram confiados à Compagnie Generale de Chemins de Fer e Travaux Publiques (NEVES, 1.958:40); mas o engenheiro-chefe foi Joaquim Machado de Melo.
Os primeiros 100 quilômetros não foram tão difíceis por ser uma região mais fácil de ser penetrada era menos acidentada e com menor quantidade de índios. O rio Tietê ajudava muito.
A partida da primeira turma de trabalhadores e engenheiros deu-se como um fato histórico para o próprio Brasil, já que essa estrada seria o caminho de ligação com os países vizinhos da Sul América a Oeste.
Era então diretor da ferrovia em formação (o primeiro, portanto), o engenheiro Eugéne Lafon. Causa até certa estranheza que seu nome não conste na lista das estações cujas designações em grande parte foram homenagens ao pessoal da Estrada. Ao que sabemos, apenas um ribeirão no Município de Birigüi é chamado Córrego Lafon.
Em 15 de julho de 1.905, as primeiras turmas acompanhadas de engenheiros tiveram que se habituar a todos os revezes da selva virgem. Começaram a construir as casas de administra- (Pág.015) ção na então pequena vila que era Bauru, a esse tempo com 600 habitantes.
Não obstante o entusiasmo de uns e a necessidade de outros, contrataram muitos trabalhadores braçais para as primeiras obras, não se dispunha a esse tempo de máquinas que tanto ajudam hoje na construção de estradas. Aterros, picadões, cortes, como eram chamados os vários ajustes topográficos que deviam fazer, eram todos demorados Tudo se fazia sempre sob o fantasma do medo e com as naturais dificuldades da época.
Não se pode omitir que a esse tempo já havia propriedades de sertanistas que penetraram pelo rio. Mas estes seguiram o caminho natural e os trabalhadores da NOB tiveram que abrir o caminho. Este era sólido e envolvia a terraplanagem, a montagem dos canteiros de obras, tudo muito rudimentar, embora sob a competente direção do engenheiro João Feliciano da Costa Ferreira, auxiliado por outros, dentre os quais se destaca Sílvio Saint Martin, um das mais citados.
Impressionante o quanto foi rápido o trabalho, pois, em 31 de dezembro de 1 905 muita coisa já havia sido feita, dando um novo tipo de vida a Bauru e uma nova feição ao trajeto por onde a NOB já passara.
A parte fixa da linha, isto é, o leito ferroviário e chamado pelas ferrovias de Via Permanente Para a conservação desses trechos construídos, eram formadas "turmas de conserva" com construção de casas para trabalhadores e um feitor, sendo que cada um desses núcleos recebia o nome de Turma 1. Turma 2 etc, até aquela que seria o final da linha. Cada turma era responsável pela conservação de oito quilômetros, sendo quatro de cada lado da sede da turma. Cessados, mais tarde, os ataques dos indios, fazia-se à noite uma ronda em que um trabalhador escalado por rodízio, ou um feitor, ia vistoriar os trilhos, para ver se havia alguma emboscada, algum prego (mais tarde, "tirefond") solto, qualquer coisa que pudesse provocar acidentes Essas rondas eram feitas cm dias alternados ao anoitecer e pela madrugada.
(Pág.16)
Era mais um trabalho que, por vezes, merecia "horas-extras" e, outras vezes, não
Estruturado já o caminho de ferro, depois de 1.910. cada trecho que compreendia um certo número de turmas era comandado por um mestre-de-linha e SEU trecho se chamava Distrito. Assim sendo, de Bauru a Araçatuba tínhamos quatro distritos. Araçatuba era o final do 4°. Distrito, cuja sede estava em Avanhandava. Cada dois distritos, por sua vez, eram dirigidas por um engenheiro-residente e suas sedes eram chamadas residências Assim é que Lins foi a sede da Ia. Residência e Avanhandava, a sede da 2a Residência; e, a seu tempo, Araçatuba foi a sede da 3ª.  Residência.
Para o comando das chamadas turmas, ou como mestre-de-linha, contratavam-se normalmente portugueses, tidos como grandes trabalhadores, homens de muita força física e muita voz de comando. Claro que os subordinadas quase nunca os viam com bons olhos, porque eram por demais severos, fazendo-se respeitar pêlo exemplo que davam, eram os primeiros a carregar maior número de dormentes e a pegar sozinhos a ponta da um trilho, enquanto outros seis ou sete homens tinham que pegar do outro lado. Isso criou uma certa lusofobia. porque os trabalhadores eram em sua totalidade pessoas sem qualificação nenhuma e que não gostavam muito, também, de obedecer. Não obstante esse temperamento forte (os portugueses, como se sabe, são emotivos), conseguiam o respeito pela justiça com que dirigiam e pelo exemplo de esforço que demonstravam.
A diferença de um trilho para outro está na proporção kg por metro linear. O tipo 32 pesa 32 kg por metro, o 37 pesa 37 kg, o 40, idem. O importante é que. quanto mais resistente o trilho, mais carga de suporta.
Com relação à bitola, também varia com a utilização que se vai fazer do leito da via férrea. Ramais que têm pouco tráfego e cargas leves podem ter até 0,75m de largura (de um trilho ao (Pág.17) outro). Já a nossa é "métrica", isto é, de um metro; mas as chamadas bitolas largas têm até mesma de 1,60m para mais.
No inicio da linha em 1.905, para cada um dos pontos atingidos a uma distância mais ou menos regulada, estabelecia-se uma estação.
A principio, nada mais era do que um vagão que ficava estacionado, com um agente e com auxiliar, ou guarda-chave; este, além de cuidar do local, fazia companhia ao agente, já que ninguém naquelas condições poderia morar sozinho. Só mais tarde foi permitido aos trabalhadores e pessoal de tráfego morar com suas famílias nos postos de trabalho.
Assim sendo, também esses pontos de paragens dos trens sofreram muitas modificações, mesmo porque, quando considerados pouco necessários, foram desativados, ou então construídos outros em lugares mais propícios á formação de aglomerados humanos. Tanto que hoje a primeira estação é Curuçá, estabelecida mais tarde, quando outras mais antigas e mais avançadas já existiam.
E já em 27 de setembro de 1.906 foi aberta a estrada ao tráfego provisório, até o Km 48, onde estava situada a estação de Jacutinga; o segundo trecho, onde estava a estação de Lauro Müller. Foi entregue ao tráfego no ano seguinte. Para assistir à inauguração do primeiro trecho composto das estações de Bauru, Presidente Tibiriçá e Jacutinga veio a Bauru o Ministro da Viação Lauro Müller, que seguiu, em trem especial para aquele ponto com numerosa comitiva (NEVES, 1.958,51).
Esse ato do ministro (vir especialmente para essa inauguração) valeu-lhe o nome de uma estação, que a co-autora deste livro conheceu em 1.929 e 1.930, como apenas um pequeno posto ferroviário com pequeno bar e grande caixa d'água que abastecia as locomotivas e as casas da Turma 12, em frente. Mas servia também ao embarque de café das fazendas de Toledo Piza, (Pág.18) já muito bem estruturadas nesse tempo, quase uma vila onde se situava a sede em casarão colonial, com igreja, cinema, campo de futebol, armazém de compra e máquina de café.
Dali, partia o ramal de Pirajui, município promissor também pela riqueza dos fazendeiros. Com um novo traçado mais tarde, o posto de Lauro Müller foi desativado e o tronco passou por Pirajui.
É claro que a passagem inaugural do trem causou muita alegria aos moradores escassos da região, mas especialmente ao pessoal da Estrada porque via, assim, algo de concreto numa obra que para eles era da maior importância.
A primeira locomotiva, a "Maria Fumaça", se representava um símbolo de progresso para os brancos, para os silvícolas nada mais era que um monstro a ser destruído. Eram freqüentes os confrontos entre os índios e trabalhadores, o que mais adiante comentaremos.
O leito inicial da linha era tão somente de trilhos sobre dormentes. A bitola era estreita, com trilhos 32, diferentes dos da Paulista com bitola larga e trilhos 37.
Pelos anos 20, já começaram a empedrar a linha, o que fixava melhor os trilhos e diminuía a poeira, quando da passagem da composição. Por isso mesmo, foi explorada a pedreira do Baguaçu, cujo britador ficava em frente à atual sede de campo do Araçatuba Clube (a co-autora deste livro nasceu bem ali, quando seu pai era o encarregado desse serviço).
As locomotivas eram movidas a vapor e as caldeiras mantidas a lenha, serviço feito pelo foguista, cujo trabalho era alimentar as fornalhas o tempo todo.
Quando o trem era de passageiros, os primeiros carros não ficavam livres das fagulhas que as máquinas soltavam, deixando marcas nas roupas. O problema só foi sanado quando, dé- (Pág.019) cadas depois, as locomotivas passaram a ser movidas a óleo diesel, ou eletricidade, ou outra forma de energia.
Outra inovação, que já veio pelos anos 40, foi o plantio de erva-cidreira, acompanhando todo o trecho da linha, a uma distância de um metro das pedras, o que não só segurava mais a terra do "taludo" (espaço rente à pedra), como também retinha mais a poeira.
Em 1.906, a NOB engatinhava, inaugurando a estação de Lauro Müller, mas já apresentava essas características humanas que a tecnologia de então impunha.
O traçado inicial da ferrovia obedeceu à precariedade dos recursos da época. Estamos em 1.906 e quase todo o trabalho era à base da força física, por que só se dispunha de ferramentas rudimentares. Assim sendo, os primeiros trechos foram sempre em distâncias maiores, contornando por vezes acidentes geográficos intransponíveis a esse tempo. Tanto assim que, se tomarmos por base a quilometragem de hoje, podemos perceber que o atual Km 280, onde nossa cidade foi começada, hoje é o Km 233, diminuído, portanto, em 43 quilômetros, o traçado inicial As retificações foram acontecendo, encurtando os caminhos, mas deixando ao mesmo tempo algumas cidades sem os trens de passageiros, ou mesmo com estações desativadas.
Inicialmente, o número de trens por semana era de dois mistos (carga e passageiros) com freqüência regular; e mais um, dependendo da demanda. Depois, foi aumentado o número de trens de passageiros; sendo que, até a década de 1.950, todos viajavam de trem, e as classes sociais eram distinguidas pela categoria da passagem: de 1º., ou 2ª. classe, os carros de luxo (pullman), os carros dormitórios, os trens especiais ou, até, os vagões (carros) fretados.
Com o advento das rodovias, com traçado mais moderno e funcional graças a toda uma tecnologia avançada, os trens foram perdendo sua clientela.
(Pág.20)
Tudo isso não invalida o que foi feito nos primeiros anos. guardadas as possibilidades da época.
As estações foram aumentando, à medida que os trilhos avançavam, tendo sido feitos postos adiantados a cada trecho estabelecido por quilômetros construídos e atendendo às exigências do terreno. As clareiras para esses postos ficavam em pontos mais abertos da mata. mas dando uma distância quase igual entre eles.
O relatório de 1.907, apresentado pelo engenheiro-chefe Eugêne Lafon, dando conta dos trabalhos executados até 30 de junho daquele ano, dizia: E bem de assinalar-se a influência que tem o tráfego desta Estrada de Ferro sobre o rápido desenvolvimento da zona por ela atravessada, que era por assim dizer desabitada. É assim que a estação do Jacutinga que foi localizada dentro da floresta e a alguns quilômetros do rio Batalha, é hoje uma nascente cidade, comportando 300 casas, entre elas algumas de comércio de importância, uma escola, uma agência de correio etc. (NEVES, 1958: 52).
Essa estação chamou-se, depois, Avaí, mas não continuou a crescer com tanta força. Aliás, as cidades que beiravam Bauru, nos primeiros trechos, não chegaram a se desenvolver muito, por-que a cidade-ponte inicial-da-linha. já começava a despontar como "Capital da Terra Branca". Assim, Bauru absorveu muito do avanço das outras estações pelo privilégio de sua localização e por ser sede das três ferrovias Como veremos depois, nossa Araçatuba também pertenceu a Bauru nos foros de Comarca e de Diocese.
Em 1.907 e enquanto prosseguiam os trabalhos da construção do trecho paulista, continuava avançando o trecho de Mato Grosso, a partir de Aquidauana em direção a Campo Grande, cuja ligação com o trecho paulista se deu mais tarde, em 1.914, em Itapura.
(Pág.021)
O local para a construção da ponte sobre o rio Paraná também foi motivo da controvérsia. O engenheiro Emílio Schnoor considerava melhor Urubupungá e a Repartição Federal das Estradas de Ferro formou uma comissão que optou pelo rebojo do Jupiá , onde foi construída a Ponte Francisco de Sá , em 1.928; até hoje considerada uma das grandes obras de arte ferroviária.
O traçado da Noroeste até Araçatuba, que sofreu inclusive recente modificação também em Araçatuba, fazendo com que os trilhos saissem do centro histórico da cidade, apresentava as seguintes estações (algumas extintas e outras desativadas): Bauru, Curuçá , Vai de Palmas, Posto 17, Tibiriçá , Nogueira, Posto 41, Avaí, Araribá, Mirante, Presidente Alves, Lauro Müller, Engenheiro Penido, Piraiui, Toledo Piza, Ministro Calmon, Guarantã, Renato Werneck, Cafelândia, Paredão, Monlevade, Lins, Guaiçara, Promissão, Capituva, Avanhandava, Urutágua, Penápolis, Bonito, Engenheiro Kapoleão, Glicério, Coroados, Guatambu e Araçatuba Citamos apenas essas porque algumas delas tiveram a sua inauguração como estação, embora em agrupamentos só de trabalhadores da ferrovia, até no mesmo dia 02 de dezembro de 1.908, data da chegada dos trilhos à nossa cidade.
Como se vê, muitas delas são homenagens a nomes que ajudaram a fazer a ferrovia, outras de Ministros da Viação e Presidentes.
Promissão já chamou-se Hector Legrou, Avanhandava era Miguel Calmon. Aliás, vamos ver depois a influência que esta pequena povoação nos anos 20 exercia sobre nossa vila de Araçatuba.
Todas as ferrovias do pais, em 1.957, passaram a fazer parte da Rede Ferroviária Federal. A partir daí, a estrada sofreu muitas modificações na parte administrativa, no tráfego, na parte de residências, mas infelizmente a própria contingência da atualidade não permitiu que as ferrovias continuassem desenvolvendo o (Pág.22) seu papel, ate na necessidade de modernizar-se Isto não impede, entretanto, que se continue a construir novas estradas de ferro, por certo, onde seu uso tende a ser proveitoso.
O que não se pode negar é que não é possível contar a Historia de Araçatuba sem falar da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil - NOB.
A chegada dos trilhos a Araçatuba, deu-se em 02 de dezembro de 1.908 Naturalmente, os serviços para o estabelecimento dos trilhos tinham sido concluídos pelo menos dias antes, embora dentro do rudimentarismo da época.
Não encontramos dados que dessem mais detalhes a respeito não houve, portanto, as festividades iguais às da inauguração do primeiro trecho Mesmo porque cita-se também no mesmo dia a instalação dos postos de Miguel Calmon e Penápolis, já coin melhores serviços e com uma população escassa que se resumia ao pessoal da Estrada e aos proprietários de terras já adquiridas antes e cultivadas em redor das toscas sedes Os próprios donos não penetravam pela extensão de terras por falta de segurança, O ponto de referência era sempre o rio Tietê e por isso, a parte cujas terras estariam sendo mais vendidas seriam as da faixa entre o rio e a ferrovia.
Em 02 de dezembro de 1.908, embora não tivesse sido ainda feita a "Chave" (alavanca deslocadora de trilhas laterais) de Birigüi, esta seria localizada posteriormente, em 1911, segundo a História da vizinha cidade. O que não quer dizer que os trilhos não tenham sido fixados antes do Km 280 (Araçatuba) já que aquela estação estava no Km 269.
O que se sabe é que em Araçatuba, nesse dia já uma estação provisória funcionava em um vagão que ficou na ponta dos trilhos e, posteriormente, num desvio, ate que se construísse a primeira estação de tábuas. Nas fotos dessa primeira e histórica estação vê-se ainda, ao seu redor, árvores enormes, próprias da mata virgem e que por certo seriam perobeiras, já que essas árvo- (Pág.23) res denotavam a qualidade de terra boa para o cultivo do café, que se deu logo depois. O lugar era, além de plano em larguíssima extensão, de clima peculiar Conforme as informações do professor Alvino Barbosa, o clima tropicalíssimo apresentava temperatura bastante elevada, com predomínio na maior parte do ano e as chuvas se precipitavam principalmente entre novembro e março, período que corresponde ao verão austral às quedas termométrica maiores vinham entre maio e julho, tempo em que as chuvas eram bastante escassas, sendo o espaçamento maior das precipitações recorrentes, tornavam a vegetação pardacenta, com queda das folhas dos tipos subcaducifólios, oferendo uma paisagem diversa nesse período, com o sol vermelho no entardecer, colorido pela névoa seca da atmosfera da estiagem, com o arenito em suspensão Tal clima ainda se mantém em Araçatuba Os ventos do quadrante sudoeste são os responsáveis maiores pelas chuvas frontais durante o verão e pelas quedas de temperatura no inverno efêmero de meio de ano.
Embora seja o dia 02 de dezembro de 1.908 o referencial usado pelas autoridades para se comemorar a fundação de Araçatuba, ele não é exatamente o dia em que se pensou ou alguém teve a intenção de fundar uma cidade. A clareira existente com a pequena turma de trabalhadores foi apenas a distância mais condizente com a distância já percorrida ou construída para um posto avançado. Claro que deve ter influencia, também, a topografia plana do local Do Rio Baguaçu para cá, vinha-se em subida até quase um quilômetro antes de se chegar à parte plana de terreno, que deu à cidade, anos mais tarde, as características de mesa, tal o nível das terras
O importante é que os primeiros heróis já haviam fincado aqui sua âncora. O mais viria depois com o denodo de ferroviários, de compradores das primeiras terras, dos que tiveram o desejo de progredir numa região nova e promissora Daqueles que, por Lei Municipal de 1.975, foram chamados de PIONEIROS e que foram verdadeiros arquitetos de uma cidade (Pág.24) fadada por sua posição geográfica a ser, décadas mais tarde, a Capital da Alta Noroeste.

Célio Pinheiro/Odette Costa

2 comentários:

  1. Gostaria de saber quem foi Renato Werneck, qual foi a importância dele para a história Brasileira e à Araçatuba.

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  2. Prezados, excelente trabalho, queria saber se a possibilidade de pesquisar os nomes dos trabalhadores desta Companhia Ferroviária Noroeste do Brasil, até o ano de 1953. Obrigado pela atenção.

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